- mell280
04/08/2025 14h48
1 milhão de famílias fora do Bolsa Família: progresso ou exclusão?
Relly Amaral Ribeiro*
Quase 1 milhão de famílias foram desligadas do Bolsa Família em julho. O número é expressivo e, dependendo da forma como é apresentado, pode significar duas coisas: para uns, uma conquista — sinal de que beneficiários melhoraram de vida; para outros, um alerta — indício de que famílias vulneráveis podem estar sendo excluídas de um direito essencial.
Criado em 2003 e reestruturado em 2023, o Bolsa Família é voltado para famílias em situação de pobreza (renda per capita de até R$ 218 por pessoa) e extrema pobreza (até R$ 105 por pessoa). Ele oferece um valor básico de R$ 142 por integrante, além de benefícios complementares de R$ 50,00 a R$150,00, dependendo do caso. Para manter o benefício, as famílias devem cumprir condicionalidades como: manter crianças na escola, realizar o acompanhamento pré-natal, vacinar os filhos e atualizar o Cadastro Único.
O Bolsa Família é reconhecido internacionalmente, devido ao seu sucesso na redução da pobreza, evasão escolar, aumento da cobertura vacinal e redução da mortalidade infantil, sendo copiado em mais de 52 países, segundo o Banco Mundial. O benefício faz parte da Política Nacional de Assistência Social através do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), que articula a assistência e proteção social através dos centros de referência (CRAS e CREAS), programas, serviços e gestores locais, com o controle e fiscalização da população através dos conselhos de direitos.
Segundo dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento Social, a maioria das famílias foi retirada do sistema em julho de 2025 porque "superou a linha da pobreza", ou seja, elas tiveram aumento da renda familiar para acima de R$ 218 por pessoa. O outro motivo, segundo pronunciamento do governo, foi o desligamento enquanto consequência da formalização do trabalho: cerca de 1,2 milhão de beneficiários conseguiram emprego com carteira assinada nos últimos 12 meses.
Em tese, isso mostra que o programa está cumprindo sua função de ser um apoio temporário, não permanente. A modernização do CadÚnico e o cruzamento com dados do INSS e do eSocial também trouxeram mais agilidade e controle, dificultando fraudes e tornando o sistema mais transparente. Além disso, foi mantido o chamado Retorno Garantido, que permite que famílias retornem rapidamente ao benefício caso voltem à situação de vulnerabilidade.
Aos que criticam o Bolsa Família enquanto “assistencialista”, ou dizem que “sustenta preguiçosos”, é importante lembrar que a linha da pobreza calculada pelo governo é bem baixa. Em outras palavras: basta um salário-mínimo dividido entre quatro pessoas para ser considerado "não pobre", isto é, não elegível ao programa. Além disso, os beneficiários vivem com R$ 600 a R$800 por mês (média dos benefícios). Quem tem família sabe que isso está longe de significar segurança financeira.
O Bolsa Família não foi criado para sustentar famílias para sempre. Os dados reforçam que o programa não se limita ao alívio imediato da pobreza, mas contribui para a mobilidade social dos beneficiários e segurança da sociedade.
Entre os jovens que cresceram em famílias atendidas pelo Bolsa Família, o número de universitários mais que dobrou entre 2016 e 2022, alcançando mais de 430 mil estudantes. 64% dos beneficiários deixaram o CadÚnico e 45% conseguiram emprego formal até 2019, segundo dados do IMDS e PnadC. A expansão do programa ajudou a reduzir crimes entre jovens: combater a pobreza na infância pode evitar até 22,5% do envolvimento juvenil com o crime, de acordo com a Unifesp e o BHRC. Isso evidencia a potência de políticas públicas sustentadas pelo SUAS para romper ciclos de vulnerabilidade.
Apesar do discurso positivo, há riscos importantes envolvidos no desligamento em massa. A maioria das famílias são retiradas do sistema por não cumprir as condicionalidades ou por ultrapassar a renda per capita mínima — mas essa renda muitas vezes é instável, informal ou temporária.
A exclusão automática do programa, sem avaliação contextual feita por profissional habilitado, pode gerar retrocesso social. Além disso, embora existam canais para recorrer, muitas famílias não têm acesso à informação ou apoio para buscar seus direitos. Em diversos municípios, os CRAS estão sobrecarregados, com escassez de profissionais e recursos, e por isso não conseguem acompanhar cada caso.
Apesar de iniciativas importantes para apoiar aqueles que saem do programa, como a o Retorno Garantido e a Regra de Proteção, a retirada de uma família do benefício não pode ser apenas um número no sistema. Precisa ser acompanhada por ações de apoio, orientação, inclusão produtiva e escuta qualificada.
O desligamento por si só, sem suporte, pode se transformar numa nova forma de exclusão social, já que, o Bolsa Família, aliado ao SUAS, é um instrumento de proteção social que tem mudado vidas e auxiliado famílias a superar a fome, a ter acesso à educação e saúde, e, em muitos casos, a chegar à faculdade com condições mínimas para pagar o transporte até a entrevista de estágio ou emprego. Quem o conhece de perto sabe: o benefício não “acomoda”, ele transforma. Como vimos, os números não mentem.
Mas afinal, o Programa Bolsa Família e sua forma de desligamento são positivos ou negativos? A verdade, como quase sempre, precisa ser analisada de perto e com o tempo. A história dirá.
*Relly Amaral Ribeiro é assistente social e professora dos cursos de pós-graduação na área de Serviço Social e Políticas Sociais do Centro Universitário Internacional Uninter
Imagens relacionadas
Relly Amaral Ribeiro Rodrigo Leal baixar em alta resolução |
Julia Estevam
julia@nqm.com.br
(41) 8849-4319