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Desperdício bilionário no Brasil pressiona inflação e limita potencial financeiro; economia circular é saída viável


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17/07/2025 14h04

Desperdício bilionário no Brasil pressiona inflação e limita potencial financeiro; economia circular é saída viável

Marcia Bernardes


Somente em relação a alimentos, cerca de 46 milhões de toneladas são desperdiçadas por ano, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que representa 30% de toda a produção brasileira

Milhões de toneladas de alimentos e produtos em perfeitas condições de consumo são descartadas todos os anos no Brasil, revelando falhas estruturais nas cadeias de produção, distribuição e comercialização. Somente em relação a alimentos, cerca de 46 milhões de toneladas são desperdiçadas por ano, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que representa 30% de toda a produção brasileira. Desperdício que pressiona a inflação e gera um gargalo econômico e social. 

“Esses impactos se manifestam de diversas formas, em múltiplas dimensões: perda direta do valor dos produtos que são descartados, custos com transporte, movimentação dessas mercadorias, ineficiência no uso dos recursos produtivos, como terra, água, energia e mão de obra. E ainda há as externalidades ambientais, como emissões de gases nocivos e pressão sobre os recursos escassos”, afirma Claudio Felisoni, professor da FIA Business School, que estima perdas entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões por ano em alimentos e bens de consumo, o equivalente a até 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). 

Estudo inédito do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (IBEVAR) em parceria com a FIA indica que 50% das perdas ocorrem no transporte e manuseio dos produtos, enquanto o varejo e produção respondem por 30% e 10%, respectivamente. O consumidor final, embora muitas vezes apontado como vilão, representa 10% do total. 

"Esse trabalho mostra que há uma forte correlação entre as vendas de alimento e inflação, mais de 70%, e sugere que o desperdício nesse segmento tem um impacto significativo, pressionando os preços e gerando ineficiências sistêmicas que afetam certamente toda a economia com o aumento dos preços". 

Para enfrentar esse cenário, especialistas apontam a economia circular como alternativa capaz de reverter estes prejuízos e os impactos na sociedade. O modelo consiste em evitar o descarte e reinserir produtos excedentes ou próximos do vencimento na cadeia de consumo, com benefícios que vão da geração de empregos à redução de impactos ambientais. 

“Implementar sistemas mais eficientes de redistribuição e reaproveitamento pode trazer contribuições significativas para o PIB. Há estudos que apontam impacto de até 1% por meio de mecanismos como logística reversa, geração de negócios e empregos”, afirma Claudio Felisoni.  

Essa lógica, na visão de Rodrigo Rocha, professor de economia da Universidade Tiradentes (UNIT), impulsiona o crescimento econômico ao mesmo tempo em que melhora a produtividade da cadeia produtiva. “Essa prática reduz perdas e melhora a eficiência logística, além de diminuir o custo das mercadorias, tornando-as mais acessíveis ao consumidor, gerando ganhos para o varejo e estimulando o comércio de menor porte”. 

Recolocação de estoque como oportunidade de negócio contra o desperdício  

Exemplo prático da economia circular, a Gooxxy é uma empresa de tecnologia que atua na redistribuição estratégica de estoques excedentes da indústria para comércios locais. Fundada em 2018 por Vinicius Abrahão, a companhia surgiu após uma visita a uma fábrica onde toneladas de produtos em perfeito estado estavam prestes a ser descartadas. “A ideia da Gooxxy nasceu numa visita que me marcou muito. Eu estava em uma grande indústria de bolos e vi um estoque enorme de produtos, todos em perfeitas condições, prontos para consumo, mas que iriam ser simplesmente descartados por pequenas avarias. Aquilo me incomodou profundamente. Era valor sendo jogado fora, literalmente”, conta o fundador e CEO da empresa. 

Com presença no Brasil, Colômbia e México, a empresa mapeia de forma preditiva estoques parados, com avarias ou com validade próxima, e conecta as indústrias produtoras a uma base de compradores como mercados e farmácias. “Atuamos como um canal estratégico para recolocar produtos excedentes com inteligência de dados e curadoria. O que antes virava prejuízo agora pode ser monetizado com total controle da marca sobre onde e como será vendido”, explica Abrahão. 

A empresa também atua como ponte para o varejo de menor porte, que muitas vezes não tem acesso aos produtos disponíveis em grandes canais. “Conseguimos dar acesso a produtos de qualidade, com preços mais competitivos, que normalmente estariam fora do alcance desses lojistas. Isso ajuda o comerciante local a melhorar sua margem, diversificar o mix e ganhar fôlego para competir no mercado”, completa. 

Apesar dos avanços, o setor logístico brasileiro ainda não está preparado para lidar plenamente com produtos sensíveis ou de curta validade. Felisoni, da FIA Business School, estima que apenas 30% a 35% da frota de transporte refrigerado no país atende aos padrões internacionais, e que a infraestrutura de armazenamento com temperatura controlada cobre menos de 60% da demanda potencial. 

“Muitos operadores logísticos ainda não estão preparados para lidar com produtos com validade curta. É necessário melhorar a gestão dos estoques, agilizar processos e treinar equipes”, afirma Rodrigo Rocha. 

Nesse contexto, a logística se torna um elo crítico entre o desperdício e a oportunidade. Para enfrentar esse desafio, a empresa de tecnologia firmou uma parceria estratégica com a DHL Supply Chain, líder global em armazenagem e distribuição.  

Os especialistas defendem políticas públicas que incentivem a redução de perdas, como incentivos fiscais para empresas que redistribuem ou doam produtos, créditos tributários para investimento em conservação e regulamentações que facilitem a doação segura. 

“Embora o país tenha um déficit fiscal enorme, é possível pensar em incentivos fiscais desde que haja comprovação de redução significativa do desperdício. Isso pode gerar resultados relevantes mesmo em um contexto de restrição orçamentária”, diz Felisoni. 


 





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