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Para especialistas, PCC pode


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31/05/2025 12h15 - Atualizado em 31/05/2025 19h23

Para especialistas, PCC pode

Seminário lembrou de aparatos de segurança dos chefes do tráfico atuando no Paraguai, que usam MS como rota.

Por Vasconcelo Quadros |


 A conclusão de um dos maiores seminários sobre segurança, realizado em São Paulo e encerrado nesta quinta-feira, 29 de junho, após quatro dias de debates com autoridades e dezenas de especialistas, é alarmante: a República sucumbiu ao avanço da maior organização criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital, o PCC, e abandonou à própria sorte regiões de fronteira, como o Mato Grosso do Sul.

 
A extensa faixa que separa o Brasil do Paraguai e da Bolívia está cada vez mais sob o domínio da facção, que controla centros de produção de cocaína na América Latina, possui tentáculos em mercados consumidores mundiais, impõe ao país um custo estimado de R$ 16 bilhões e finca raízes em territórios nacionais frágeis.
 
 
Um dos coordenadores do Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, o promotor paulista Lincoln Gakiya, que já teve a cabeça posta a prêmio pela organização, alertou: o Estado brasileiro não pode mais tratar o grupo como uma quadrilha de bandidos comuns. “Já temos uma máfia no Brasil. O PCC atua de forma transnacional, funciona como uma multinacional do crime, está presente em todos os estados da federação e em 23 países. Não dá para tratá-lo como um grupo menor dedicado ao tráfico”, disse.
 
Com 25 anos de comando no crime, o PCC desenvolveu uma estratégia baseada no terror em áreas dominadas e na infiltração no sistema político e estatal, por meio da cooptação e corrupção de agentes públicos. A força da facção na fronteira ficou evidente no início de maio, quando a polícia boliviana, mais por acaso do que por ação planejada, prendeu Marcos Roberto de Almeida, o “Tuta”, em Santa Cruz de La Sierra, enquanto ele tentava renovar o visto com identidade falsa.
 
Tuta era até então o principal executor da cúpula do PCC, encarcerada em presídios federais. O que parecia um crime comum reforçou as suspeitas de que facções do eixo Rio-São Paulo tenham se associado a criminosos e produtores de drogas na Bolívia e no Paraguai.
 
 
 
Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, durante palestra no Seminário (Foto: Divulgação)
Mexicanização - Originado nos presídios paulistas, o PCC domina os roubos contra o patrimônio nas grandes cidades, mas é na fronteira que desenvolve seu negócio mais lucrativo: o tráfico de cocaína. A facção desafia as instituições e impõe derrotas sucessivas à política de repressão às drogas, como observou o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, em uma abordagem realista:
 
“O Brasil gasta anualmente cerca de R$ 1,2 bilhão apenas para manter presos acusados de tráfico, em sua maioria pequenos vendedores ou usuários. Enquanto isso, dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania revelam que só em 2023, o país gastou R$ 7 bilhões na ‘guerra às drogas’, sem impacto relevante na redução do consumo ou tráfico. Essa ineficiência econômica revela a urgência de uma abordagem mais racional e coordenada”, avalia o ministro.
 
O coronel Wagner Ferreira da Silva, ex-diretor do Departamento de Operações de Fronteira e ex-secretário executivo da Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, afirmou ao Campo Grande News que o PCC e outras facções brasileiras se instalaram na fronteira e atuam em conluio com grupos paraguaios. Para ele, há risco de “mexicanização” da região, com uso excessivo de violência e infiltração na política como instrumento de domínio. “A diferença é que no México a fronteira é com os EUA. Aqui, é com o Paraguai — uma região frágil, de baixa densidade demográfica e grandes problemas sociais.”
 
No Paraguai, o crime organizado já se infiltrou na política, dificultando o combate às drogas. Segundo o coronel, em Mato Grosso do Sul, assim como em outras regiões do país, também houve tentativas — frustradas — de candidaturas vinculadas ao crime. “O grande trunfo do crime organizado é o poder econômico, que pode se disfarçar de legalidade. Quando isso acontece, ele se lança na política e nos serviços públicos. A corrupção é apenas a face visível do poder econômico do crime. Pior que a corrupção é a infiltração.”
 
 
 
Armando Javier Rotela, do "Clã Rotela", durante julgamento em março de 2020 (Foto: ABC Color)
Sicários - Outro fator preocupante, segundo o militar, é o fortalecimento dos aparatos de segurança dos chefes do tráfico atuando no Paraguai, com a contratação de paramilitares e matadores de aluguel, os sicários. Eles inicialmente prestam segurança, mas acabam tomando o lugar dos chefes, movidos pela ambição e pelos lucros, gerando guerras entre facções. A lembrança de junho de 2016 ainda é viva: o brasileiro Jorge Rafaat Toumani foi morto em Pedro Juan Caballero em uma operação de guerra, com armamento antiaéreo e metralhadoras Ponto 50, mesmo dentro de uma caminhonete blindada.
 
Na região, PCC e Comando Vermelho articulam-se e também rivalizam com clãs paraguaios. Entre os mais influentes estão as famílias de Antônio Joaquim Mota, Nelson Gustavo Amarilla Elizeche (“Nortenho do PCC”) e Armando Javier Rotela, este, em confronto direto com o PCC.
 
“No Paraguai, quem domina as cadeias é o clã Rotela, que não deixa o PCC entrar. Já a família Mota foi aliada de Fernandinho Beira-Mar e tem um grupo de sicários bem treinado.”
 
 
Antonio Joaquim da Mota, 64, o “Tonho”, apontado como chefe de Clã Mota e preso pela PF (Foto: Divulgação)
É negócio - Segundo o coronel Wagner, o lado brasileiro da fronteira é bem policiado. A região vive uma relativa ordem e já não registra taxas de homicídio próximas de 100 por 100 mil habitantes, como no passado em Coronel Sapucaia. Mas a sensação de insegurança permanece, e, no fundo, tudo depende da convivência com as organizações instaladas no lado paraguaio.
 
“O que acontece na fronteira é negócio”, resume. Para ele, a solução passa mais por política pública do que por repressão policial. “Enquanto não tornarmos o território inviável para o crime, o Brasil seguirá sendo usado por essas organizações.” Wagner simpatiza com a política de encarceramento em massa do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, embora reconheça a supressão de direitos.
 
Ele lembra que o Mato Grosso do Sul, além de fazer fronteira com dois grandes produtores de drogas, Paraguai (maconha) e Bolívia (coca), tem um setor agrícola forte e corredores logísticos ideais para o tráfico. “O crime usa a mesma rota do agronegócio para mandar cocaína para os portos de Santos e Paranaguá. Santos precisa deixar de ser o principal distribuidor de cocaína para o mundo”, provoca.
 
A Bolívia, também na região de fronteira com Mato Grosso do Sul, se consolidou como o principal refúgio de lideranças da facção criminosa, com pelo menos 4 chefes da "Sintonia Final", alta cúpula do PCC, morando por lá: André Oliveira Macedo, o “André do Rap”; Sílvio Luiz Ferreira, o “Cebola”; Pedro Luiz da Silva, o “Chacal”.
 
O resultado: 60% da população carcerária do Estado, o dobro da média nacional, está presa por tráfico, muitos sem qualquer vínculo com a região. Em 2024, só as forças estaduais apreenderam 585 toneladas de maconha e 17,6 toneladas de cocaína. Além disso, cerca de 540 veículos são apreendidos por ano. “Os pátios estão abarrotados de carros usados pelo tráfico.”
 
 
Na Bolívia, os chefes procurados são André Oliveira Macedo, o André do Rap; Silvio Luiz Ferreira, o Cebola; Sérgio Luiz de Freitas, o Mijão; Pedro Luiz da Silva, o Chacal. (Foto: Reprodução)
Enxugando gelo - O tráfico sustenta uma cadeia criminosa que envolve roubo de veículos, armas ilegais, contrabando de mercadorias e até agrotóxicos. “Os agrotóxicos às vezes competem com a cocaína. Como usam a mesma logística, entram no radar dos criminosos quando são mais rentáveis.”
 
Apesar das grandes apreensões e prisões como a de Tuta, o coronel admite: trata-se de “enxugar gelo”. “A estrutura do crime tem alta capacidade de reposição. Só um conjunto de medidas que torne o território inviável para o tráfico pode mudar esse cenário.”
 
O ministro Gilmar Mendes resume: quando o Estado permite que grupos armados controlem partes do território, o que se está testemunhando é a erosão dos pilares da democracia. “Essa incapacidade de enfrentamento facilita a penetração das facções nas estruturas do Estado, traindo os princípios do constitucionalismo. O Estado brasileiro, em sua majestosa arquitetura constitucional, vê-se confrontado por forças que desafiam sua autoridade e a própria ideia de soberania territorial.”
 
 
 
 
Corrupção policial - Walfrido Warde, coordenador do Instituto IREE — organizador do seminário junto ao Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) —, defende a criação de uma estrutura antimáfia. É consenso entre os especialistas: a depuração das instituições precisa ser prioridade. “Falo dos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público, polícias e demais agentes da linha de frente”, afirma Gakiya, que também propõe uma agência nacional antimáfia.
 
Segundo ele, a facilidade para abrir e fechar empresas no Brasil beneficia as quadrilhas, levando à “pejotização do crime organizado”. Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA, lembra que o país perde R$ 349 bilhões por ano com crimes patrimoniais — sendo R$ 16 bilhões só com o tráfico de cocaína. Ele afirma que esse dinheiro não chegaria às facções sem conivência estatal. “Não existe crime organizado sem corrupção de agentes públicos”. Se a droga entra com facilidade no país, diz, “certamente há envolvimento de membros das Forças Armadas.”
 
Outro mito derrubado é a exclusividade dos estados no combate ao crime organizado — uma política ineficaz. Gilmar Mendes defendeu a PEC da Segurança, em trâmite no Congresso, como revolução necessária.
 
 




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