17/12/2025 13h34
Quando o estranho revela o Brasil: contos sobre o que habita à margem do visível
Em "Corpo Estranho", Marcos Vinicius de Paula apresenta doze contos que percorrem diferentes épocas e cenários do país, explorando violência simbólica, desigualdade e rupturas moldadoras da experiência humana
Em Corpo Estranho, Marcos Vinicius de Paula reúne doze narrativas que atravessam tempos e regiões do Brasil para investigar o que emerge quando indivíduos se deparam com limites morais, afetivos e sociais. A coletânea apresenta personagens marcados por rupturas, crenças distorcidas, dilemas íntimos e experiências que revelam a complexidade do país.
As histórias percorrem tradições familiares, paisagens rurais, centros urbanos, margens sociais e episódios de violência estrutural. No conto “Extrema-unção”, a obsessão religiosa do personagem Nestor de Freitas transforma o corpo humano em instrumento de salvação e delírio. Já em “Meus Meninos”, Dalila experimenta a maternidade como território de assombro, em uma narrativa que mistura lenda, tragédia e imaginação popular. Em “Fogo-fausto”, culpa, ciúme e superstição moldam a trajetória de um homem que carrega o peso de um crime e o fantasma de sua própria história.
Apertou as mãos de muita gente. Gente clara, de nariz fino, de cabelo liso, de estatura alta. Nem parecia gente de verdade, parecia manequim. Mas, ao apertar todas aquelas mãos, Zezinho percebeu algo que nunca lhe havia ocorrido. Mãos grandes, pequenas, retas, curvas, gordas, magras, peludas, peladas, umas com anéis, outras sem anéis, mas nenhuma delas — e digo isto sem medo de errar —, nenhuma delas possuía calos. Por esforço de seus industriosos neurônios de Homo economicus, o projeto daquela sugestão ganharia corpo, transformando-se na clara consciência de que ele era o único naquele lugar que havia trabalhado com as mãos. (Corpo estranho: Ferida fechada com a lâmina dentro, p.64)
À medida que avança, o livro amplia seu escopo temático, abordando ressentimentos, tensões sociais e experiências limites. Em “Canário-da-terra", um homem consome-se em suspeitas e inseguranças enquanto tenta decifrar a rotina da esposa, expondo medos, tabus e a fragilidade masculina. No conto que dá nome ao livro, o escritor revela a corrosão interior de um homem que ascende socialmente, mas nunca consegue se desvencilhar das marcas de sua origem — um retrato contundente de como mobilidade social e vergonha caminham lado a lado no imaginário brasileiro.
Marcos Vinicius de Paula costura crítica social e elementos fantásticos sem abrir mão do cuidado estético, mostrando sua capacidade de transitar entre registros e construir narrativas que incomodam e encantam. Em meio às figuras que povoam “A Carne da Maré”, “Presente de Grego”, “Indigente e Orestes, o inspetor”, surgem comentários sobre abandono institucional, desigualdade histórica, exploração trabalhista e moralidade pública.
Ao reunir contos que cruzam violência, fantasia, memória, decadência e desejo, Corpo Estranho constrói um mosaico inquietante do Brasil — um país onde o grotesco e o sublime convivem e onde o que é rejeitado insiste em retornar. A obra convida o leitor a encarar o desconforto como parte fundamental da experiência literária e a perceber que, muitas vezes, a revelação mais profunda sobre quem somos reside naquilo que não se encaixa.
FICHA TÉCNICA
Título: Corpo Estranho
Subtítulo: Ferida fechada com a lâmina dentro
Autor: Marcos Vinicius de Paula
Editora: Viseu
ISBN: 978-65-280-2583-1
Páginas: 106
Onde encontrar: Amazon e-book (R$ 15,95) | Amazon físico (R$ 73,90) | R$ Estante Virtual (R$ 31,90) | Apple Books (R$ 17,90) | Google Play (R$ 15,95)
Sobre o autor: Marcos Vinicius de Paula é formado em Ciências Sociais pela UNIFESP e atua há mais de uma década como professor de Sociologia na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Paralelamente à docência, o autor desenvolve trabalho consistente na escrita criativa, essa interseção entre educação e literatura ganha forma em Corpo Estranho, sua antologia de contos, na qual articula observação social, imaginação narrativa e reflexão crítica.
Instagram: @marcosviniciusdepaula



