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Quando a ficção vira palco para celebrização de criminosos e revive dores reais


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18/11/2025 16h13

Quando a ficção vira palco para celebrização de criminosos e revive dores reais

assessoria


Repercussão de Tremembé impulsiona perfis de condenados nas redes enquanto famílias evitam reabrir traumas e especialistas alertam para reforçamento de comportamentos violentos

A explosão de audiência da série Tremembé movimenta uma discussão que ultrapassa o entretenimento. Perfis de pessoas condenadas registram milhares de novos seguidores, conteúdos sobre crimes voltam a viralizar e famílias de vítimas relatam que não conseguem assistir para não reacender memórias que ainda produzem dor. O fenômeno expõe a fronteira ética entre narrativa audiovisual e o luto de quem tenta preservar a própria história.
Pesquisadores analisam esse movimento há anos. Um estudo publicado na PLOS One mostra que episódios de violência amplamente divulgados podem gerar até 0,30 novos eventos relacionados, com uma janela de contágio de aproximadamente treze dias. Outro levantamento, divulgado em 2025 no Journal of Crime and Justice, indica que crimes de grande repercussão tendem a estimular comportamentos imitativos, sobretudo quando amplificados por plataformas digitais. Uma análise citada pela Psychology Today aponta que 22 por cento dos presos entrevistados relatam ter se inspirado em crimes exibidos pela mídia.
Para Vinícius Guimarães Dornelles, integrante da diretoria da Associação Mundial em DBT (WDBTA), esse cenário revela uma preocupação evidente.
“Quando existe uma exposição pública maciça de comportamentos violentos, ocorre um efetivo reforçamento social. A tendência é que aumentem os comportamentos violentos e, nesse caso em especial, até os assassinatos.” Ele ressalta ainda que familiares merecem proteção. “As famílias merecem o direito de deixar seus mortos no campo dos mortos e não dos vivos. É desumano fazer com que elas revivam tragédias dessa forma.”
O silêncio das famílias também compõe esse cenário. Muitas dizem que preferem não assistir à série para não voltar ao ciclo de luto. Pesquisadores que estudam trauma explicam que narrativas dramatizadas podem reativar respostas fisiológicas associadas ao TEPT, como hipervigilância, alterações de sono e aumento de cortisol. Isso ocorre quando vivências traumáticas são resgatadas sem preparação, sem apoio e sem estrutura terapêutica adequada.
Nesse contexto, especialistas lembram que existem tratamentos seguros e baseados em evidências para pessoas que vivenciaram traumas reais. Protocolos como o DBT-Prolonged Exposure (DBT-PE) foram desenvolvidos justamente para proteger o paciente durante o processo terapêutico. Antes de qualquer exposição às memórias traumáticas, a pessoa passa por etapas de estabilização emocional, construção de habilidades e avaliação rigorosa de segurança. A exposição só ocorre quando há condições clínicas para isso, é aplicada de forma graduada e monitorada continuamente, o que reduz o risco de retraumatização. Trata-se de um caminho estruturado que busca aliviar o sofrimento, em contraste com a reativação abrupta provocada por narrativas dramatizadas.
Vinícius reforça que esse cuidado não se limita ao trauma. "A terapia baseada em evidências também promove melhora global da qualidade de vida, reduzindo a vulnerabilidade emocional e fortalecendo recursos internos essenciais para que a pessoa enfrente o cotidiano sem recorrer a estratégias desadaptativas."
O avanço repentino de seguidores em perfis relacionados a crimes preocupou especialistas em segurança digital. Estudos recentes mostram que, quando retratadas em séries, pessoas condenadas podem receber milhares de novos seguidores em poucos dias. Esse salto amplia a visibilidade do agressor, cria uma audiência que mistura curiosidade e culto ao criminoso e transforma figuras violentas em personagens com influência inesperada, fenômeno já analisado por universidades norte-americanas que estudam true crime e fetichização do agressor.
A repercussão de Tremembé evidencia como produtos de entretenimento podem influenciar dinâmicas sociais, reacender dores e, ao mesmo tempo, reforçar comportamentos que colocam vidas em risco. Em uma era em que cada episódio circula por dias nas redes, o debate sobre responsabilidade, ética e proteção emocional ganha peso. A sociedade debate, compartilha e opina, enquanto famílias tentam se manter à margem da reexposição e especialistas pedem prudência para impedir que a ficção aumente o sofrimento de quem já enfrentou o pior.

 

 


 


 





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