07/11/2025 11h02
Execução e Criptoativos: o desafio da penhora digital no Judiciário brasileiro
*Por Guilherme Bortoloto
Encontrar bens de devedores sempre foi um dos maiores desafios da execução judicial no Brasil. Apesar dos avanços tecnológicos e das ferramentas eletrônicas de rastreamento patrimonial, o processo de cobrança ainda esbarra em estratégias de ocultação e em um sistema que, muitas vezes, não acompanha a velocidade das inovações financeiras. Agora, com o crescimento dos criptoativos, o Judiciário enfrenta uma nova fronteira: como tornar efetiva a penhora em um universo descentralizado, anônimo e global?
As criptomoedas transformaram a forma como o valor circula no mundo. Diferentemente do dinheiro tradicional, não passam por bancos, não estão vinculadas a instituições financeiras e podem ser transferidas em poucos segundos entre carteiras digitais. Essa combinação de praticidade e anonimato, embora legítima, acabou atraindo também quem busca dificultar a localização de bens, tornando os criptoativos um novo refúgio para devedores.
Atento a essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, em 2025, o CriptoJud — sistema que promete permitir a consulta e o bloqueio on-line de criptoativos mantidos em exchanges nacionais. A proposta segue a lógica dos convênios já conhecidos, como o Sisbajud, o Renajud e o Infojud, que modernizaram a busca por bens ao integrar o Judiciário a instituições públicas e privadas. O objetivo é dar aos juízes e servidores uma ferramenta capaz de identificar valores em moedas digitais e, quando possível, determinar sua constrição de forma rápida e segura.
O avanço é significativo. O CriptoJud surge como resposta institucional a um problema crescente: a invisibilidade patrimonial no ambiente digital. Até pouco tempo atrás, quando um devedor convertia recursos em bitcoins e os transferia para uma corretora ou carteira privada, o Estado praticamente perdia o rastro. Com a nova ferramenta, o Judiciário passa a dialogar com o mercado de criptoativos dentro do espaço regulado — ou seja, junto às exchanges registradas e supervisionadas por órgãos como a Receita Federal e a CVM.
Ainda assim, o desafio é enorme. A natureza jurídica das criptomoedas continua sendo tema de debate: são dinheiro, ativos financeiros ou bens digitais? A ausência de regulamentação específica gera incertezas sobre o procedimento ideal de penhora, o momento da conversão em moeda fiduciária e a responsabilidade das corretoras pela guarda dos valores bloqueados. A jurisprudência começa a avançar, e decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça já reconhecem a possibilidade de oficiar exchanges para identificar e penhorar criptoativos, mas o caminho até a padronização ainda é longo.
Além das questões jurídicas, há obstáculos técnicos e éticos. Ao contrário de contas bancárias, os criptoativos não ficam depositados em uma instituição: estão registrados em blockchains acessíveis apenas por chaves criptográficas. Se o devedor transferir suas moedas para uma carteira privada, fora de corretoras nacionais, o bloqueio se torna praticamente impossível. Isso significa que o CriptoJud, embora inovador, tem alcance limitado e depende da cooperação das empresas participantes.
O ponto central, portanto, é o equilíbrio entre eficiência e segurança. O uso de sistemas automatizados precisa ser acompanhado de cautela para evitar bloqueios indevidos e garantir o respeito ao contraditório e à proporcionalidade. A execução civil deve se modernizar, mas sem renunciar às garantias que sustentam o Estado de Direito. Inovações como o CriptoJud devem servir à Justiça, não a substituir.
Para que o sistema alcance todo o seu potencial, será essencial investir em regulamentação, padronização e capacitação. Juízes, advogados e servidores precisarão compreender os conceitos técnicos por trás dos criptoativos — como blockchain, custódia e carteiras digitais — para que possam aplicá-los com segurança jurídica. Também será fundamental construir protocolos uniformes e definir a responsabilidade de cada agente envolvido na constrição.
O CriptoJud representa, acima de tudo, um marco simbólico. Mostra que o Judiciário brasileiro está disposto a acompanhar as transformações do mundo financeiro e a utilizar a tecnologia como aliada na efetivação das decisões judiciais. Ainda é cedo para saber se a ferramenta resolverá o problema da inadimplência digital, mas seu surgimento já é um sinal de maturidade institucional: o reconhecimento de que, na era das finanças descentralizadas, a Justiça também precisa ser digital.
Mais do que um avanço tecnológico, o CriptoJud inaugura uma nova mentalidade. Ele não promete acabar com a inadimplência, mas amplia as chances de o credor ver seu direito reconhecido na prática. Com prudência e evolução normativa, pode representar o início de uma execução mais ágil, conectada e, sobretudo, efetiva.
*Guilherme Bortoloto é advogado especialista na área de cobranças de Martorelli Advogados.
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