23/08/2025 04h33
Médicos Sem Fronteiras celebra avanços no desenvolvimento de vacina nacional de mRNA pela Fiocruz
Organização defende que uso de fundos públicos em inovação seja condicionado a garantias de acesso
A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras considera que o desenvolvimento e patenteamento de uma plataforma nacional para produção de vacinas de mRNA (RNA mensageiro) é uma notícia promissora para a inovação local e traz uma oportunidade para que o setor público demonstre ser possível gerar inovação pensando no acesso e na saúde pública, diferentemente da abordagem de mercado das indústrias farmacêuticas.
O anúncio da introdução desta tecnologia no Brasil foi feito nesta semana pela Fiocruz. O desenvolvimento rápido e eficaz das vacinas de mRNA teve um papel importante na resposta à COVID-19, mas a tecnologia tem também um enorme potencial no enfrentamento de outras doenças negligenciadas e infecciosas e também para preparar o mundo para futuras emergências de saúde pública.
Pesquisas utilizando o mRNA avançam em vacinas contra HIV, tuberculose, malária e outras doenças que afetam desproporcionalmente populações em países de baixa renda. Mas se a lógica de exclusividade comercial continuar prevalecendo, repetiremos o mesmo padrão de desigualdade observado durante a pandemia: acesso restrito, enquanto milhões ficam desprotegidos.
MSF atua diariamente em contextos de vulnerabilidade e de inequidade de acesso a tecnologias de saúde e defende que essa inovação deve ser acompanhada de garantias claras de que tais produtos serão acessados de forma tempestiva e a preços adequados, particularmente quando há financiamento público.
Apesar do discurso em contrário, a história da ciência mostra que a inovação biomédica raramente ocorre sem significativo impulso do setor público. As vacinas de mRNA foram desenvolvidas graças a décadas de pesquisas sustentadas por universidades, centros de saúde e investimentos públicos diretos. Esse financiamento coletivo permitiu superar barreiras tecnológicas e reduzir riscos de mercado, acelerando o caminho até uma aplicação em larga escala. No entanto, uma vez comprovada a eficácia, essa tecnologia e o acesso às vacinas foram restringidos pelas empresas farmacêuticas por meio de patentes, monopólios e preços elevados, limitando a distribuição equitativa — especialmente em países de baixa e média renda.
Durante a pandemia da Covid-19, MSF pressionou as multinacionais Pfizer e Moderna a compartilharem a tecnologia de mRNA para expandir a capacidade de produção e acesso a vacinas. Estudos apontaram a existência de mais de 100 fabricantes capazes de absorver a transferência de tecnologia e produzir as vacinas de mRNA, ampliando o acesso e salvando vidas. Outro fator é que as vacinas contaram com robusto financiamento público (US$ 10 bilhões no caso da Moderna - que corresponde a quase a totalidade do custo de pesquisa clínica).
Devido à inação da Pfizer e da Moderna em transferir a tecnologia da vacina de mRNA, em junho de 2021 a OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu apoiar a criação de um centro (Hub) para replicar do zero o desenvolvimento dessa tecnologia. A sede desse desenvolvimento, ainda em curso, fica na África do Sul, com parceiros na Argentina, Bangladesh, Brasil, Egito, Índia, Indonésia, Quênia, Nigéria, Paquistão, Senegal, Sérvia, Tunísia, Ucrânia e Vietnã. Representando o Brasil, a Fiocruz faz parte dessa iniciativa.
Para MSF, que lida cotidianamente com desafios médicos humanitários, é inaceitável que tecnologias vitais, especialmente aquelas que podem frear pandemias e epidemias, fiquem fora do alcance de milhões de pessoas. O investimento público em inovação deve ser acompanhado de condicionalidades claras: preços justos, transparência nos custos de pesquisa e produção, e a garantia de transferência de tecnologia para ampliar a capacidade de fabricação em diferentes regiões do mundo. Dessa forma, evita-se que o fruto de um esforço coletivo e com financiamento público seja de benefício de poucos e assegura-se que as vacinas estejam disponíveis onde são mais necessárias.
MSF acredita que a verdadeira medida do progresso científico não está apenas no desenvolvimento de novas tecnologias, mas em sua capacidade de salvar vidas de forma equitativa. Atualmente, vacinas que não chegam a quem precisa não cumprem seu propósito. Garantir acesso é tão vital quanto inovar.