No Brasil, como em vários outros países, a implementação efetiva e completa do saneamento básico é um desafio. Mas uma ferramenta desenvolvida durante o pós-doutoramento da professora Camila Silva Franco, da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Lavras (EEng/UFLA), realizado no IHE Delft, na Holanda, promete ajudar os municípios nessa tarefa. O recurso já foi utilizado em um país africano e outro asiático e começa a ser analisado por prefeituras brasileiras, em busca de garantir tratamento adequado de água e esgoto à população. Estima-se que hoje, no Brasil, 30,1% dos municípios não tenham acesso ao esgoto encanado.
Uma forma de solucionar o problema do saneamento básico é através da abordagem CWIS (Citywide Inclusive Sanitation), que propõe projetos que garantam um saneamento equitativo, seguro e sustentável. Para que esses três objetivos da abordagem CWIS sejam de fato alcançados, é necessário considerar, entre outras capacidades, a qualidade e segurança dos serviços prestados em todas as regiões de uma cidade e a gestão sustentável de recursos, especialmente em áreas de baixa renda.
Junto a isso, é essencial um planejamento robusto que acompanhe também a dimensão financeira de cada um deles. E, apesar de existirem inúmeras ferramentas para esse fim, nenhuma consegue integrar, ao mesmo tempo, o planejamento financeiro dessas três dimensões. Por isso a professora Camila desenvolveu a CWIS-FiT, uma ferramenta capaz de organizar e planejar financeiramente as três metas da abordagem CWIS de forma conjunta.
A CWIS-FiT surgiu do aprimoramento de uma outra ferramenta, a eSOSViewTM, e seu desenvolvimento se deu em duas fases. Na primeira, os cálculos de esgoto e lodo fecal da eSOSViewTM foram simplificados; incluíram-se os custos das soluções de saneamento das famílias e as despesas com infraestrutura não física (ex. acesso de mulheres a banheiros seguros, plano de saúde para os trabalhadores, campanhas de conscientização). Nessa fase, também foram incorporados indicadores CWIS que permitem avaliar se a implementação do saneamento está de fato alcançando os três pilares da abordagem: equidade, segurança e sustentabilidade. Essa versão foi testada em Nakuru, no Quênia.
Na segunda fase os pesquisadores se debruçaram para abordar uma questão que ficou em aberto na primeira: “O serviço de saneamento de Nakuru é realmente inclusivo?”. Eles perceberam que calcular os indicadores CWIS não era suficiente para responder essa questão, porque os números eram visualizados de maneira bruta. A ferramenta foi atualizada para que os indicadores fossem padronizados e ponderados, e assim se tornaram comparáveis, interpretáveis e passaram a ser visualizados em “semáforo” (verde, amarelo e vermelho). Dessa forma, tornou-se possível acompanhar o desempenho em equidade, segurança e sustentabilidade do projeto. Essa nova versão foi testada em Mahalaxmi, no Nepal.
Após as duas fases, a CWIS-FiT foi consolidada como uma planilha no excel com nove abas interligadas. Na primeira aba, são inseridos dados da cidade e é elaborado um plano técnico e financeiro de melhoria do saneamento no qual a prefeitura escolhe o período e a velocidade das ações. A segunda aba estima a geração de esgoto e lodo de fossas. Da terceira à sétima aba, é possível planejar financeiramente cada etapa da cadeia de serviços de saneamento (interface com o usuário (o vaso sanitário), armazenamento ou conexão, transporte, tratamento e reuso). A oitava aba resume a análise financeira no formato de modelo de negócios, mostrando as transferências de dinheiro (taxas e tarifas), custos, receitas e resultados de cada componente. A última avalia se as intervenções estão alinhadas aos indicadores CWIS, que medem equidade, segurança e sustentabilidade.
As nove abas da CWIS-FiT apresentam-se como um instrumento de planejamento financeiro estratégico, já que ajuda cidades a entenderem quanto custa e como financiar um sistema de saneamento que seja equitativo, seguro e sustentável. Além disso, o método CWIS está alinhado a Objetivos de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU).
É importante ressaltar que a ferramenta não é capaz de resolver sozinha os desafios do saneamento básico. É essencial o engajamento dos atores locais (governos, ONGs, comunidade), assim como o acesso a dados confiáveis sobre a população, às tecnologias de saneamento já disponíveis, custos e receitas. Dessa forma, será possível disponibilizar resultados robustos para ajudarem os gestores a tomar decisões e solicitar recursos para instalações e criação de políticas públicas do local, desde que haja capacidade institucional, ou seja, que as partes interessadas possam usar os resultados advindos da ferramenta de forma prática. Por fim, para a execução do que foi planejado muitas vezes é fundamental o financiamento externo, muitas vezes vindo de fundos estaduais, nacionais ou internacionais.
Para Camila, o desenvolvimento dessa ferramenta está ligado também ao seu forte interesse em juntar salubridade, saúde e saneamento. “Eu sempre gostei da ideia de reutilizar o que todo mundo está jogando fora, e esgoto é isso, é resíduo orgânico que quando não é reutilizado pode gerar malefícios para a saúde pública.” comenta. “Um dos passos para reutilizar os resíduos que são descartados no esgoto é planejar um saneamento seguro para todos, por isso também nossa ideia é disponibilizar CWIS-FitT em acesso aberto e depois transformá-la em um software para facilitar seu uso. A ferramenta pode ser aplicada em cidades grandes e pequenas, com e sem rede de esgoto, com e sem estação de tratamento, na Ásia, na África e na América Latina, com o objetivo de melhorar a vida dos habitantes de forma justa... são muitas possibilidades.” conclui.
Esse estudo contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


