17/07/2025 17h33
Girassóis de Maracaju: a indústria da vida que inspira o combate ao feminicídio em Mato Grosso do Sul
Em um cenário nacional onde o feminicídio ainda desafia autoridades, políticas públicas e a própria sociedade, Maracaju, no interior de Mato Grosso do Sul, tem se destacado por uma iniciativa que floresceu como símbolo de esperança e resistência: o plantio de girassóis na Praça Central Nestor Pires Barbosa, durante um ato em prol da vida e como parte de uma campanha de conscientização e “Feminicídio Zero”. Mais que um gesto simbólico, a ação se consolidou como um modelo de acolhimento, mobilização e enfrentamento à violência contra a mulher — uma verdadeira “indústria do bem”, cuja produção é a vida e o cuidado.
A iniciativa, idealizada pela Coordenadoria da Mulher do município, sob a liderança da coordenadora Jamaica, ganhou força institucional com o apoio da primeira-dama Meire Calderan, que à frente do FAC (Fundo de Apoio à Comunidade), abriu caminhos para que ações de enfrentamento à violência ganhassem visibilidade, estrutura e voz.
Maracaju, infelizmente, compartilha da triste estatística que marca o país: até julho de 2025, 17 mulheres já foram vítimas de feminicídio em Mato Grosso do Sul. Os nomes, as idades e os detalhes dos crimes revelam o peso da dor que se espalha por todas as regiões do Estado:
- Karina Corim, 29 anos – morta a tiros pelo ex-companheiro em Caarapó (01/02).
- Vanessa Ricarte, 42 anos – morta a facadas pelo ex-noivo em fevereiro.
- Juliana Domingues, 28 anos – indígena, morta com golpes de foice na cabeça, em Dourados (18/02).
- Mirele dos Santos, 26 anos – morta a tiros pelo ex-marido em Água Clara (22/02).
- Emiliana Mendes, 26 anos – estrangulada pelo companheiro em Juti (24/02).
- Gisele Cristina Oliskowiski, 40 anos – morta em Campo Grande; corpo queimado pelo companheiro (01/03).
- Andreia da Silva Arruda, 30 anos – morta a facadas em Nioaque (29/03).
- Ivone Barbosa da Costa Nantes, 40 anos – morta com facadas na cabeça em Sidrolândia (17/04).
- Thaciana Paula Lima, 39 anos – assassinada a tiros em Aporé/GO, natural de Cassilândia (11/05).
- Simone da Silva, 35 anos – morta a tiros na frente dos filhos em Itaquiraí (14/05).
- Olizandra Vera Cano, 26 anos – assassinada a facadas na Aldeia Taquaperi, Coronel Sapucaia (23/05).
- Graciane de Sousa Silva, 32 anos – morreu após quatro dias de agressões, em Angélica (25/05).
- Vanessa Eugênio Medeiros, 23 anos – vítima de feminicídio.
- Sophie Eugenia Borges, 10 meses – morta asfixiada e carbonizada junto com a mãe, em Campo Grande (28/05).
- Eliana Guanes, 59 anos – queimada viva em Corumbá pelo colega de trabalho (07/06).
- Doralice da Silva, 42 anos – morta a facadas pelo companheiro em Maracaju (20/06).
- Rose Antônia de Paula, 41 anos – morta a facão pelo companheiro em Costa Rica (27/06).
Em meio a essas perdas irreparáveis, os testemunhos de familiares reforçam a urgência da denúncia e do acolhimento. A irmã de Doralice, Daniele da Silva, 42 anos, morta pelo ex companheiro em Maracaju fez um apelo emocionado:
“Peço que ninguém deixe de denunciar. Não deixem para fazer amanhã o que tem que ser feito hoje. Procurem ajuda o quanto antes. Porque se minha irmã tivesse procurado ajuda, ela estaria aqui. Infelizmente, não temos mais ela aqui.”
Diante dessa realidade devastadora, Maracaju decidiu agir — e a resposta veio em forma de rede, acolhimento e estrutura.
O Espaço Lilás, criado dentro do Hospital Municipal Soriano Corrêa da Silva, é um exemplo concreto dessa reação. Um ambiente especializado no acolhimento humanizado às vítimas, parte de uma rede formada por profissionais da saúde, assistência social, psicologia e segurança pública.A escolha do nome homenageia a técnica de enfermagem Ivanir Rodrigues Antunes, uma vítima de feminicídio em Maracaju em fevereiro de 2021. Além do cuidado físico e emocional, o município também mantém absoluto sigilo sobre os nomes e histórias das vítimas atendidas, preservando sua identidade, segurança e dignidade durante todo o processo de acolhimento.
Toda essa engrenagem de proteção conta com o apoio ativo de todas as forças de segurança do município, incluindo Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Conselho Tutelar e Defensoria Pública. Cada instituição atua com um único propósito: salvar vidas e romper o ciclo da violência com agilidade, firmeza e humanidade.
A primeira-dama Meire Calderan, que lidera a campanha em Maracaju, falou sobre a importância dessa atuação coletiva:
“Nós, da Coordenadoria da Mulher, somos incansáveis. Nosso trabalho é coletivo, é referência no Estado. Polícia, Judiciário, Saúde, Conselho Tutelar, bombeiros, todos estão juntos, sem ciúmes, sem disputa, com um só objetivo: proteger vidas.”
A repercussão desse trabalho tem ultrapassado os limites do município. Reportagens veiculadas pela TV Morena e outros veículos da imprensa sul-mato-grossense divulgaram amplamente a experiência de Maracaju. O resultado foi a mobilização de outros municípios interessados em conhecer e replicar esse modelo de combate ao feminicídio.
A coordenadora da Mulher, Jamaica do Carmo, destacou a importância dessa visibilidade:
“Porque a gente conseguiu a visibilidade através da reportagem, e com essa visibilidade a gente consegue cada vez mais trazer a sociedade para perto dessa luta constante que é a violência contra a mulher, e principalmente contra o feminicídio zero, que é o que a gente vem batalhando e tentando em Maracaju e no Brasil”, disse ao tudodoms.
Somente nas últimas semanas, Maracaju recebeu comitivas de seis cidades, que vieram observar de perto o funcionamento da coordenadoria, do Espaço Lilás e da rede de atendimento integrada:
Costa Rica, Deodápolis, Sidrolândia, Nioaque, Rio Brilhante e São Gabriel do Oeste.
E a procura continua. Outras cidades já estão com visitas agendadas até o mês de setembro, buscando entender de perto como Maracaju conseguiu estruturar uma rede que funciona, acolhe e protege.
O prefeito de Nioaque, André Bueno Guimarães, visitou pessoalmente a estrutura, acompanhado de sua equipe. Em depoimento, destacou: “É fundamental que cada cidade abrace esse combate. O feminicídio precisa ser zerado.”
A Coordenadoria da Mulher de Maracaju hoje compartilha protocolos, oferece orientação técnica e serve de ponte entre municípios. É como uma linha de produção — cada ação, cada atendimento, cada girassol plantado representa mais que símbolo: representa compromisso.
E assim, a metáfora se sustenta: o girassol é a semente, a rede de apoio é o maquinário, a vida é o produto final. O combate ao feminicídio é a meta. E Maracaju, com sua mobilização, se torna exemplo da indústria que faz — que faz diferença, que faz justiça, que faz valer a vida.