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18/06/2025 11h49
Plano Nacional de Mineração 2050, transição para uma economia de baixo carbono e o papel da ANM
* Por: Leonardo Alves Corrêa
Na mitologia romana, Janus é conhecido como o deus das transições e dualidades. Representado com duas faces, simboliza a capacidade única de vislumbrar, simultaneamente, o passado e o futuro, como duas perspectivas temporais. A figura mitológica do deus do tempo oferece uma metáfora poderosa para compreender os desafios envolvidos na governança dos minerais críticos e estratégicos em um cenário de transição energética.
É indiscutível que a transição para uma economia de baixo carbono exigirá um aumento expressivo de novos projetos minerais voltados à extração de lítio, níquel, cobalto, cobre, grafite, manganês, alumínio e terras raras. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que a demanda por minerais críticos poderá crescer até seis vezes até 2040, em um cenário de neutralidade climática.
Nesse contexto, o Plano Nacional de Mineração (PNM 2050) se consolida como o principal instrumento de planejamento estratégico de horizonte ampliado para o setor mineral brasileiro. O objetivo do Plano é estabelecer uma visão estruturada de longo prazo sobre metas e diretrizes para toda a cadeia produtiva, de modo a promover a coordenação das políticas minerais e a estabilização de um mercado institucionalmente seguro e economicamente competitivo.
Atualmente em fase de consolidação, o PNM 2050 está organizado em cinco eixos centrais: conhecimento geológico; pesquisa e produção mineral; cadeias produtivas de minerais voltadas à transição energética; competitividade da indústria mineral brasileira; e desenvolvimento sustentável. Os eixos temáticos representam uma agenda de longo alcance, responsável por orientar a formulação de programas e projetos da Administração Pública, bem como subsidiar a tomada de decisão dos agentes privados atuantes no mercado da mineração.
Um ponto relevante no Plano Nacional de Mineração (PNM) é o tratamento conferido à estrutura institucional do setor, com destaque para o papel da Agência Nacional de Mineração (ANM). Para isso, o PNM 2030 apresentou como um de seus principais avanços regulatórios a criação e instalação da ANM, formalizada pela Lei nº 13.575/2017, consolidando um passo importante na modernização da governança do setor mineral.
No entanto, o PNM 2050 não atribui a devida centralidade à continuidade da reconstrução institucional do órgão regulador. Considerando o papel estratégico da ANM na implementação da política mineral, seria fundamental a inclusão de um eixo temático específico dedicado ao fortalecimento institucional da agência. A ausência desse foco indica uma lacuna importante no próximo Plano Nacional de Mineração.
As novas demandas por minerais críticos exigirão uma ANM com maior nível de capacidades institucionais. Caso o Brasil avance na viabilização desses projetos, a agência enfrentará simultaneamente um aumento de demanda quantitativa e qualitativa, em razão da complexidade regulatória envolvida na transição energética e a expansão da produção de minerais estratégicos.
É imprescindível, portanto, buscar equilíbrio entre o crescimento do setor regulado e a estruturação institucional do órgão regulador. Embora a tecnologia possa contribuir para ganhos de produtividade na Administração Pública, a consolidação da ANM como instituição robusta é condição indispensável para o êxito de qualquer planejamento de longo prazo.
Há, portanto, uma correlação direta entre a efetividade do Plano de Mineração e a construção de capacidades institucionais do Estado. Caso contrário, o planejamento corre o risco de se tornar apenas mais uma carta de boas intenções, sem impacto real sobre o setor mineral.
Nas últimas décadas, o planejamento foi relegado a um segundo plano como instrumento de gestão estratégica. Por muito tempo, prevaleceu a ideia de que a autorregulação do mercado seria a única forma eficiente de alocação de recursos econômicos. No entanto, o planejamento é essencial para mobilizar recursos e coordenar objetivos de longo prazo em setores estratégicos, como a mineração. Em um setor caracterizado pelo alto risco e retorno sobre o investimento demorado, a construção de horizontes de longo prazo auxilia o setor privado a tomar decisões com maior segurança. A ausência de uma ANM estruturada, ágil e eficiente tem como consequência o esvaziamento do potencial transformador do planejamento no setor..
Como Janus, o planejamento mineral deve olhar em duas direções: para o futuro, com suas promessas e demandas, e, para o passado, com suas raízes e contradições. Historicamente, a estruturação de órgãos reguladores do setor mineral nunca foi tratada como prioridade estratégica pelo Estado brasileiro. No entanto, a precariedade institucional não é uma condição natural do setor, mas uma escolha política reiterada ao longo dos governos. Não é possível viabilizar a produção de minerais críticos e estratégicos sem enfrentar o problema crônico da fragilidade administrativa.
A lição de Janus é clara: todo novo ciclo, como a transição para uma economia de baixo carbono, carrega a ambivalência de quem precisa projetar novos caminhos sem negligenciar os erros do passado.
*Sócio-executivo da área Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis no VLF Advogados. Professor de Direito Ambiental e Minerário da Faculdade de Direito da UMFG.