Gabriel Soares
PUBLICADO EM:
01/08/2025 08h51
Antidopagem e falha de localização: ser atleta de alto rendimento exige comprometimento com o sistema e atenção

Por João Antonio de Albuquerque e Souza, Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD)*
No imaginário coletivo, a violação das regras antidopagem está associada a exames laboratoriais positivos, escândalos com substâncias proibidas ou flagrantes em grandes competições. No entanto, a realidade da luta contra o doping é muito mais silenciosa e, por vezes, burocrática. Uma das infrações mais recorrentes entre atletas de alto rendimento atualmente não envolve resultados analíticos adversos, mas a simples falha de localização, que ocorre quando o atleta não é localizado para ser testado, seja por falha no preenchimento das informações obrigatórias no sistema, ou quando ele alterou sua rotina e não estava no local e horário que deveria estar.
A regra, estabelecida pela Agência Mundial Antidopagem (WADA) e aplicada por entidades nacionais como a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), exige que atletas da elite esportiva informem diariamente uma janela de 60 minutos, em que possam ser encontrados para testes surpresa. O objetivo é evitar que atletas utilizem substâncias proibidas em fases de treinamento e apenas interrompam o uso antes das competições oficiais, escapando assim da detecção.
Esse sistema, chamado de “whereabouts”, funciona como pilar da credibilidade do controle antidopagem moderno. Porém, ele também impõe um fardo pessoal significativo aos atletas, que precisam atualizar constantemente sua agenda, mesmo em férias, viagens, treinos fora do local habitual ou mudanças de última hora. A exigência, por mais dura que pareça, é fundamental para manter a eficácia do sistema e garantir que os testes surpresa ocorram de forma real e não apenas simbólica.
O caso mais emblemático é o do velocista norte-americano Christian Coleman, que perdeu os Jogos Olímpicos de Tóquio após acumular três falhas de localização em menos de 12 meses, sem nunca ter testado positivo para qualquer substância proibida. A penalidade foi de 18 meses de suspensão. No Brasil, a tendência segue a mesma. Somente em 2024, mais de cinco casos de falha de localização foram julgados segundo o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD), o que é considerado um número elevado para a realidade nacional. Esses casos, em geral, resultam em suspensões que variam de 12 a 24 meses, dependendo do grau de culpa comprovado.
É importante destacar que é necessário o acúmulo de três falhas num intervalo de 12 meses, seja por ausência injustificada no local e horário informado, seja por não preenchimento ou atualização das informações dentro do prazo. Por isso, uma falha isolada não gera punição direta, mas entra no radar e pode ser determinante em caso de duas reincidências. Muitos jovens talentos, por exemplo, ingressam em competições internacionais sem pleno conhecimento das obrigações relacionadas ao sistema de localização, e a falta de orientação adequada pode custar caro, e não apenas em termos de resultados, mas também de reputação e confiança pública.
Por mais incômodo que seja, a rotina de um atleta limpo exige sacrifícios que vão além do treino e da alimentação. O cumprimento rigoroso das regras de localização faz parte desse esforço invisível, e o “preço” da credibilidade, nesse contexto, é alto, mas indispensável. Quanto mais transparente, técnico e bem comunicado for esse processo, menor será a margem para erros evitáveis que podem interromper carreiras inteiras por falhas administrativas, e não por má-fé. Se o combate ao doping exige vigilância constante, ele também demanda equilíbrio, empatia e educação, pois manter o esporte limpo é uma tarefa coletiva, que começa na disciplina individual, mas depende da compreensão estrutural do sistema por todos os envolvidos.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.

