Julia Rezende
PUBLICADO EM:
12/06/2025 13h45
Especialistas destacam em debate que supersalários de juízes e promotores prejudicam a gestão pública e enfraquecem a democracia

Evento organizado pelo Movimento Pessoas à Frente e pela Plataforma JUSTA reuniu especialistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil no Insper, em São Paulo
Na noite de segunda-feira (09.06), especialistas, acadêmicos e representantes de organizações da sociedade civil se reuniram no Insper, em São Paulo, para o evento “Supersalários em debate: justiça, orçamento e privilégios”. O debate foi promovido pelo Movimento Pessoas à Frente, pela Plataforma JUSTA, instituições que fazem parte de uma coalizão de entidades que atuam no enfrentamento aos supersalários no serviço público e pelo Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper (CGPP).
A abertura do debate foi feita pela diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, Jessika Moreira, a diretora-executiva da Plataforma JUSTA, Luciana Zaffalon, e a coordenadora de Relacionamento e Políticas Públicas do CGPP, Beatriz Albuquerque.
Na primeira mesa “O Sistema de Justiça no Orçamento”, a coordenadora de pesquisas orçamentárias da Plataforma JUSTA, Taciana Santos, apresentou dados do estudo Justiça e Orçamento, que analisou 84% dos orçamentos estaduais em 2023. Ela revelou que os gastos com o sistema de justiça no período somaram R$ 77 bilhões, com grande peso da folha de pagamento. Em estados como Rondônia, esse custo chega a representar 12,3% do orçamento total. “Mesmo sendo um valor alto já aprovado, todos os estados analisados gastam além do que está previsto na LOA (Lei do Orçamento Anual)”, alertou Taciana, chamando atenção para a diferença de tratamento com outras áreas essenciais, que enfrentam cortes e contingenciamentos mesmo com demandas crescentes.
Em seguida, a presidente do conselho do Movimento Pessoas à Frente e professora da FGV Direito SP, Vera Monteiro, destacou que o chamado “teto salarial” no serviço público é, na prática, uma “falácia” perante os supersalários que se observam em algumas poucas carreiras. Ela lembrou que desde a Constituição de 1988 há uma tentativa de limitar os vencimentos ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e que mudanças posteriores, como a Emenda Constitucional nº 19/1998 e a de 2005, buscaram reforçar esse limite. “Era uma tentativa de acabar com os supersalários. Ainda assim, o problema persiste”, afirmou. Para Vera, a atual estrutura enfraquece a confiança no serviço público, com disparidades injustificáveis e manobras legais que obscurecem a remuneração real dos agentes do Judiciário.
O painel também contou com falas de Clara Marinho, pesquisadora da Escola de Governo da Universidade de Oxford, e Úrsula Peres, professora dos Cursos de Graduação e Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da EACH/USP, que reforçaram a necessidade de mais transparência, equilíbrio orçamentário e revisão dos mecanismos de remuneração no sistema de justiça. A mediação foi do coordenador acadêmico do Núcleo de Pessoas no Setor Público do Insper, Gustavo Tavares.
Na mesa “Gestão de Pessoas e Transparência no Sistema de Justiça”, a diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, Jessika Moreira, apresentou um cenário das remunerações dos servidores públicos no Brasil, no qual metade desses trabalhadores recebe cerca de R$3.300 ao mês, principalmente aqueles que atuam “na ponta” das políticas públicas, como professores, agentes de saúde e assistentes sociais.
“O Movimento Pessoas à Frente defende que os servidores públicos possam ser bem remunerados, de acordo com suas funções e responsabilidades, mas que essa remuneração esteja atrelada à entrega e à qualidade dos serviços prestados. Já no caso da magistratura e dos membros do Ministério Público, não se trata disso. Esses cargos não são avaliados com base no desempenho ou na entrega de resultados. Trata-se, muitas vezes, da força das carreiras, que acabam operando dentro de uma lógica de privilégios”, explicou. Jessika também pontuou que essa situação gera um profundo sentimento de desigualdade e injustiça dentro do funcionalismo, dificultando o avanço de boas práticas de gestão de pessoas no serviço público. “Esse cenário caminha na direção oposta, prejudicando o ambiente público e enfraquecendo as condições para que a democracia possa se efetivar”, complementou.
Luciana Zaffalon, diretora-executiva do Justa, trouxe uma análise crítica sobre os bastidores da gestão e da transparência nas instituições de justiça. Ela alertou para a dimensão política das eleições internas, que ocorrem a cada dois anos no sistema de Justiça, tratadas como disputas privadas entre seus membros, apesar do caráter público. “Diante desse cenário, não causa surpresa que as gestões de carreiras jurídicas se mostrem cada vez mais comprometidas com a atração de recursos, a partir de estratégias orientadas por interesses corporativos que definem as eleições e não pelo interesse público”, afirmou. Luciana destacou ainda que a ganância desenfreada das carreiras jurídicas, que buscam cada vez mais recursos, “se configura como uma avenida para corrupção institucional”. Para ela, a ausência de transparência, a falta de controle do Legislativo sobre os remanejamentos dos orçamentos estaduais e o enfraquecimento dos freios e contrapesos aprofundam o cenário de desequilíbrio e uso distorcido dos mecanismos para distribuição de recursos públicos.
O professor da FGV Rafael Viegas fez questão de evidenciar que os supersalários não são inerentes a todos os servidores do Ministério Público e do Judiciário. “Uma pequena elite dentro dessas estruturas é que consegue drenar o orçamento para contracheques”, explicou. Ele também foi categórico ao afirmar que esses privilégios estão dentro de uma dinâmica corporativa que tem força no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. “Hoje, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estão capturados pelos interesses dessas instituições”, lamentou.
Já Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, trouxe um panorama do cenário de acesso a dados públicos que temos no Brasil e comentou o comportamento do Ministério Público para acesso a esse tipo de dado. “O próprio MP passou uma regulação da Lei Geral de Dados determinando que todas as pessoas que quisessem ver os salários deveriam fornecer seus dados pessoais. Esta é uma ameaça do espaço cívico”, disse. A mesa foi mediada por Juliana Carvalho, coordenadora executiva do Núcleo de Pessoas no Setor Público do Insper.
Sobre o Movimento Pessoas à Frente
O Movimento Pessoas à Frente é uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária, que elabora coletivamente diretrizes para uma gestão mais efetiva do Estado brasileiro. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente reúne especialistas, acadêmicos, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.
https://movimentopessoasafrente.org.br/
Sobre o JUSTA
O JUSTA é um centro de pesquisa, design estratégico e incidência que atua no campo da economia política da justiça, analisando a gestão e o financiamento judicial. O objetivo da organização é mostrar como a relação do sistema de justiça com os outros Poderes e com a economia afeta nossa experiência democrática e a vida de milhões de pessoas.

